sexta-feira, 30 de setembro de 2011

CALVINISMO DO SECULO XXI


Calvinismo Tradicional X Novo Calvinismo


Após a reportagem de Time Magazine listando o novo calvinismo como uma das dez ideias que estão mudando o mundo, um dos autores citados, o pastor Mark Driscoll, colocou em seu site algumas comparações entre o novo calvinismo e o velho calvinismo. Esse é o momento de avaliarmos essas comparações. Abaixo reproduzimos o que Driscoll propôs, e como pode ser visto em seu site. (Driscoll, 2009a).

1) O velho calvinismo foi fundamentalista ou liberal, separatista ou sincretizado com a cultura. O novo calvinismo é missional e busca criar uma cultura redimida.

2) O velho calvinismo fugiu das cidades, o novo calvinismo está inundando as cidades.

3) O velho calvinismo foi cessacionista e temeroso da presença e poder do Espírito Santo, o novo calvinismo é continuacionista e alegre pela presença e poder do Espírito.

4) O velho calvinismo foi temeroso e suspeitoso a respeito de outros cristãos e quebrava pontes, já o novo calvinismo ama a todos os cristãos e constrói pontes entre eles.

Em minha avaliação, as declarações de Driscoll foram um tanto quanto precipitadas. É claro que Driscoll está mirando um estilo particular de calvinismo que perdurou nos Estados Unidos por algum tempo (e creio que também no Brasil), mas ele generalizou demais a avaliação e, certamente falhou em sua análise do movimento calvinista como um todo.

Por outro lado, eu posso concordar com aquilo que Driscoll busca como meta do novo calvinismo, entretanto, acredito que em seus “melhores momentos” o calvinismo foi exatamente isso.

O calvinismo é uma teologia completa por causa de sua cosmovisão. Desde o início, o calvinismo foi visto como um movimento de alcance global e para influenciar todas as esferas da vida. A combinação de piedade, erudição e engajamento político e social foram marcas preponderantes do movimento. O calvinismo despontou e se desenvolveu com o potencial de ser um sistema completo. A partir da análise do conceito de cultura e da ação calvinista em relação à cultura é preciso afirmar que o novo calvinismo provavelmente ainda não alcançou o grau de maturidade cultural que o calvinismo teve em seus melhores momentos. O novo calvinismo ainda é mais uma retomada das doutrinas calvinistas antigas com uma apresentação mais atualizada e um foco em espiritualidade e decisão de vida, do que uma continuação do calvinismo em seu sentido mais amplo, como apresentado no Kuyperianismo, por exemplo. Por isso, a declaração de Driscoll pode estar invertida. É o novo calvinismo que ainda não consegue se relacionar verdadeiramente com a cultura, ao contrário do que fazia o calvinismo tradicional, buscando a potencialização da cultura ou mesmo sua transformação para a glória de Deus. Mas é evidente que o novo calvinismo tem tudo para estabelecer um verdadeiro relacionamento transformador da cultura.

Do mesmo modo, não há qualquer evidência histórica de que o calvinismo tenha “fugido” das cidades ou não tenha se preocupado com missões. O calvinismo, desde o início, demonstrou forte preocupação missionária. Driscoll provalvelmente disse isso porque por bastante tempo, os lugares nos Estados Unidos aonde o calvinismo se manteve e se perpetuou foi o interior, em pequenas cidades como Grand Rapids – MI, por exemplo. Mas isso não significa que tenha sido uma opção do calvinismo americano se manter confinado ao interior, antes, provavelmente isso tenha acontecido justamente por causa da dificuldade que foi no auge do liberalismo e do evangelicalismo arminiano, o calvinismo conseguir adeptos nas grandes cidades.

Com relação à disputa sobre a contemporaneidade ou cessacionismo dos dons espirituais, é preciso lembrar que a preocupação de Driscoll é a de correlacionar o calvinismo com os acontecimentos do século 20, ou seja, com o surgimento do movimento pentecostal.Não faz parte do escopo desse post uma análise do movimento pentecostal, é suficiente para nós o entendimento de que entre os evangélicos há uma divisão bastante clara no que diz respeito a atuação do Espírito concedendo dons. Alguns interpretam que os dons do Espírito concedidos a partir do Pentecostes cessaram com a morte dos Apóstolos. Outros entendem que esses dons ainda estão em atividade. Driscoll está dizendo que o velho calvinismo foi cessacionista, enquanto que o novo calvinismo é continuacionista. Essa afirmação, novamente, não muito é exata.

É um fato que muitos autores calvinistas são enfaticamente cessacionistas, como o dispensacionalista John MacArthur Jr, as vezes chamado de “novo calvinista”. Por outro lado, há calvinistas históricos que não insistem no cessacionismo, como Stott, Packer e o famoso Lloyd-Jones. Deve ser lembrado que a questão chave para a maioria dos calvinistas históricos não é se os dons espirituais ainda estão em atividade, mas se o Batismo com o Espírito Santo é uma “segunda bênção” como quer o Pentecostalismo. Assim, insistindo que o Batismo com o Espírito Santo acontece no momento da conversão, boa parte dos calvinistas não sente necessidade de enfatizar um cessar absoluto dos dons espirituais. A posição calvinista mais comum é que parte dos dons cessou, enquanto outros continuam em atividade. O próprio Calvino posiciona-se firmemente a favor da continuidade dos dons espirituais, entretanto, não de todos. Sobre o dom de profecia, por exemplo, Calvino entendia que ele não está mais em atividade no sentido de “predizer o futuro”, mas continua em atividade no sentido de explicar a Palavra de Deus. Calvino diz: “Na igreja Cristã, nos tempos atuais, profecia é simplesmente o correto entendimento da Escritura e o dom particular de explicá-la, visto que todas as antigas profecias e todos os oráculos divinos já foram concluídos em Cristo e seu Evangelho”. (1997, Rm 12.6, p. 431). Entretanto, Calvino fala de outros dons como sendo “dons ordinários que permanecem perpetuamente na igreja”. (1997, Rm 12.6, p. 424). Do mesmo modo, Calvino entendia que alguns ofícios exercidos na igreja primitiva tinham sido temporários, enquanto outros permaneciam. Ele escreveu:

Deve-se observar também que, dos ofícios que Paulo enumera, somente os dois últimos são de caráter perpétuo. Porquanto Deus adornou sua igreja com apóstolos, evangelistas e profetas só por algum tempo, exceto que, onde a religião se encontra sucumbida, ele suscita evangelistas à parte da ordem da igreja [extra ordinem] para restaurar a pureza da doutrina àquela posição que perdera. Sem pastores e doutores, porém, não pode haver nenhum governo da igreja. (1998, Ef 4.11, p. 123).

Portanto, a acusação de que o velho calvinismo foi temeroso do poder do Espírito Santo é uma asseveração generalizada demais. Certamente houve calvinistas que, por medo de uma identificação com o movimento Pentecostal, refrearam as supostas manifestações espirituais, e outros que em busca de uma identificação com a ciência fizeram uso de um racionalismo agudo, mas generalizar isso não faz justiça a tantos calvinistas do passado que enfatizaram o papel e o poder do Espírito na conversão, na santificação, na compreensão das Escrituras, como os puritanos, e o próprio Calvino. A luta dos calvinistas, entretanto, foi a de manter distância do movimento Pentecostal e Neo-Pentecostal com suas ênfases consideradas anti-bíblicas pelos calvinistas. Não se trata de negar o poder ou a atuação do Espírito e nem mesmo a continuidade dos dons, mas de rejeitar aquelas ênfases exageradas que não fazem parte do Cristianismo histórico, como por exemplo, a questão das novas revelações espirituais propostas pelos carismáticos. Nesse ponto, o calvinismo seguindo Calvino tende a ensinar que “novas revelações” são invenções que provêm de espíritos mentirosos e não do Espírito Santo. (1999, I, 9, 2). Nesse ponto, se Driscoll prefere uma aproximação com esses movimentos pode parecer ser o caso de seu discurso, ele está se afastando decisivamente do calvinismo. Por outro lado, se Driscoll pretende um estudo sério da pessoa do Espírito Santo, seguido de uma prática que enfatiza sua obra de acordo com a Escritura, sem racionalismo, ele não precisaria de um “novo” calvinismo diferente, pois bastaria se manter nas pegadas de Calvino.

Com relação à perspectiva ecumênica, novamente precisamos lembrar que Calvino tinha uma grande preocupação com a unidade da igreja. Novamente é forçoso concluir que a asseveração de Driscoll de que o velho calvinismo foi temeroso e suspeitoso a respeito de outros cristãos e quebrava pontes está muito longe das opiniões e ensinos de Calvino. Entretanto, muitos calvinistas de fato parecem ignorar as opiniões do Reformador de Genebra. Novamente é preciso dizer que a abertura proposta pelo novo calvinismo para outras igrejas e correntes teológicas é bem-vinda, mas para fazer isso não é preciso um rompimento com o calvinismo tradicional, antes, uma leitura atualizada dos próprios ensinos de Calvino.

Pela força dos argumentos é preciso concluir que Driscoll não foi muito exato em suas comparações entre o novo calvinismo e o velho calvinismo. Praticamente todas as coisas que ele pretende atribuir de positivo ao novo calvinismo foram mais facilmente identificadas no próprio calvinismo em seus melhores momentos e, especialmente, na teologia de seu fundador, o Reformador João Calvino. Portanto, o novo calvinismo pode buscar essas coisas desejáveis na própria essência do calvinismo histórico, desenvolvê-las e aplicá-las para os dias atuais.

Por Leandro Antonio de Lima Novo Calvinismo

domingo, 21 de agosto de 2011

HISTÓRIA DA IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL.

As origens históricas mais remotas do presbiterianismo remontam aos primórdios da Reforma Protestante do século XVI. Como é bem sabido, a Reforma teve início com o questionamento do catolicismo medieval feito pelo monge alemão Martinho Lutero (1483-1546) a partir de 1517. Em pouco tempo, os seguidores desse movimento passaram a ser conhecidos como “luteranos” e a igreja que resultou do mesmo foi denominada Igreja Luterana.
Poucos anos após o início da dissidência luterana na Alemanha, surgiu na região de língua alemã da vizinha Suíça, mais precisamente na cidade de Zurique, um segundo movimento de reforma protestante, freqüentemente denominado “Segunda Reforma.” Esse movimento teve como líder inicial o sacerdote Ulrico Zuínglio (1484-1531) e, pretendendo reformar a igreja de maneira mais profunda que o movimento de Lutero, passou a ser conhecido como movimento reformado, e seus seguidores como “reformados.” Assim sendo, as igrejas derivadas do movimento auto-denominaram-se igrejas reformadas.
Apesar do seu aparente radicalismo, Lutero e seus seguidores romperam com a igreja majoritária somente nos pontos em que viam conflitos irreconciliáveis com as Escrituras. Especialmente na área crucial do culto, os luteranos julgavam que era legítimo manter tudo aquilo que não fosse explicitamente proibido pela Bíblia. Já os reformados partiam de um princípio diferente, entendendo que só deviam abraçar aquilo que fosse claramente preconizado pelas Escrituras. Foi isso que os levou a uma ruptura mais profunda com o catolicismo.
I. João Calvino
Após a morte de Zuínglio em 1531, o movimento reformado passou a ter um novo líder, que revelou-se muito mais articulado e influente que o anterior: João Calvino (1509-1564). Calvino nasceu em Noyon, no nordeste da França, e ainda adolescente foi estudar teologia e humanidades em Paris. Depois de um breve período em Orléans e Bourges, quando dedicou-se ao estudo do direito, retornou a Paris para dar continuidade aos estudos humanísticos que tanto o fascinavam. Em 1532, publicou o seu primeiro livro, um comentário do tratado de Sêneca De Clementia.
O humanismo que empolgou os primeiros líderes das igrejas reformadas, Zuínglio e Calvino, foi o extraordinário movimento intelectual que marcou a transição entre a Idade Média e o período moderno. Uma das características marcantes desse movimento foi o seu profundo interesse pela antigüidade clássica, o período áureo da civilização greco-romana. Entre as obras clássicas que atraíam a atenção de muitos estava a Bíblia, particularmente o Novo Testamento. Isso levou ao surgimento de uma categoria específica de humanistas bíblicos devotados ao estudo das Escrituras em seus originais gregos e hebraicos. O maior desses humanistas cristãos foi o célebre Erasmo de Roterdã (c.1466-1536), cuja edição crítica do Novo Testamento baseada em textos gregos foi avidamente estudada e utilizada pelos reformadores suíços.
Em 1533, Calvino teve uma experiência de conversão à fé evangélica. Forçado a fugir de Paris por causa das suas novas convicções, dirigiu-se para a cidade de Angoulême. Pouco depois, começou a escrever a sua obra magna, a Instituição da Religião Cristã ou Institutas, publicada em Basiléia em 1536. Nesse mesmo ano, de maneira totalmente inesperada, Calvino viu-se convocado a auxiliar a implantação da fé reformada na cidade de Genebra, na Suíça francesa. Após um interregno de três anos em Estrasburgo (1538-1541), o reformador retornou a Genebra e ali permaneceu até o final da sua vida.
Graças a sua vasta e competente produção teológica, sua habilidade como organizador e seus contatos pessoais com inúmeros indivíduos e comunidades em toda a Europa, Calvino exerceu uma poderosa influência e contribuiu para a disseminação do movimento reformado em muitos países. Em 1559, ele fundou a Academia de Genebra, que colaborou decisivamente para a formação de toda uma nova geração de líderes reformados. Dada a importância desse reformador, um novo termo surgiu para designar os reformados: “calvinistas.”
Nas Institutas, comentários bíblicos, sermões, tratados e outros escritos que produziu, Calvino articulou um sistema completo de teologia cristã que ficou conhecido como calvinismo. Esse sistema incluía normas específicas, retiradas das Escrituras, acerca da doutrina, do culto e da forma de governo das comunidades reformadas. Na base do sistema estava a ênfase no conceito da absoluta soberania de Deus como criador, preservador e redentor do mundo. A estrutura eclesiástica preconizava o governo das comunidades por presbíteros e a associação das igrejas em presbitérios regionais e em sínodos nacionais.
II. Europa Continental
Logo após o início da carreira de Calvino, o movimento reformado começou a difundir-se em muitas regiões da Europa, notadamente na França, no vale do Reno (Alemanha e Países Baixos), na leste europeu e nas Ilhas Britânicas. Vários fatores contribuíram para essa difusão. Em primeiro lugar, a ampla divulgação das idéias de Calvino através da imprensa e de outros meios; em segundo lugar, o intenso deslocamento de refugiados que procuravam escapar da repressão religiosa em seus países; finalmente, o papel irradiador desempenhado por Genebra e outras cidades reformadas. Muitos homens e mulheres iam a Genebra, eram treinados nos preceitos da fé reformada e retornavam aos seus países imbuídos das novas idéias.
Como era de se esperar, Calvino nutria grande interesse pela propagação da fé evangélica no seu próprio país, a França. Ali, apesar de intensas perseguições, o movimento reformado experimentou notável crescimento na década de 1550. Em 1559, reuniu-se o primeiro sínodo da Igreja Reformada de França, representando cerca de duas mil comunidades locais. Pela primeira vez, o presbiterianismo era organizado em âmbito nacional. Esse sínodo aprovou uma importante declaração da fé reformada, a Confissão Galicana.
Muitos dos reformados franceses, conhecidos como huguenotes, eram artesãos, comerciantes e nobres, e estavam concentrados principalmente no oeste e sudoeste do país. Seus conflitos políticos com o partido católico liderado pela família Guise-Larraine levaram a um longo período de guerras religiosas (1562-1598). O episódio mais sangrento foi o massacre do Dia de São Bartolomeu (24-08-1572), em que milhares de huguenotes foram mortos à traição em Paris e no interior da França, entre eles o famoso almirante Gaspard de Coligny. A paz só foi restaurada em 1598, quando o rei Henrique IV, um ex-huguenote, promulgou o Edito de Nantes, concedendo liberdade religiosa aos reformados. Esse edito foi revogado por Luís XIV em 1685, fazendo com que cerca de 300 mil huguenotes abandonassem a França.
Em virtude da proximidade geográfica, o movimento reformado desde cedo também penetrou no sul da Alemanha. O movimento cresceu com a chegada de milhares de refugiados vindos de outras regiões, como a França e os Países Baixos. Estrasburgo foi um importante centro reformado entre 1521 e 1549, tendo como líder o reformador Martin Butzer. Como já foi apontado, Calvino ali residiu durante três anos (1538-1541). Em Heidelberg, o príncipe Frederico III criou uma grande universidade que tornou-se o centro do pensamento reformado na Alemanha. Nessa cidade foi escrito em 1563 o Catecismo de Heidelberg. A Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) resultou no reconhecimento definitivo das igrejas reformadas alemãs, que receberam o influxo de sessenta mil refugiados huguenotes após a revogação do Edito de Nantes.
Nos Países Baixos, a fé reformada surgiu inicialmente em Antuérpia, em 1555. Em dez anos, formaram-se mais de trezentas igrejas, em parte devido à chegada de imigrantes huguenotes que fugiam das guerras religiosas em seu país. Essas igrejas adotaram como sua declaração de fé a Confissão Belga, escrita por Guido de Brès em 1561. O calvinismo foi implantado na Holanda no contexto da guerra da independência contra a Espanha, iniciada em 1566 sob a liderança de Guilherme de Orange. Como resultado do conflito, os Países Baixos dividiram-se em três nações: Bélgica e Luxemburgo (católicos) e Holanda (reformada). O primeiro sínodo nacional das igrejas reformadas holandesas reuniu-se em 1571 na cidade de Emden, na Alemanha, e adotou um sistema presbiterial de governo baseado no modelo francês. Eventualmente, a igreja reformada tornou-se oficial, embora nem toda a população tenha aderido ao movimento. No início do século XVII, uma disputa teológica resultou no Sínodo de Dort (1618-1619), que rejeitou as idéias de Tiago Armínio acerca da predestinação e afirmou os chamados “cinco pontos do calvinismo” (depravação total, eleição incondicional, expiação limitada, graça irresistível e perseverança dos santos).
Quanto à Europa oriental, na década de 1540, graças a contatos com cidades suíças, surgiram igrejas reformadas na Polônia e na Boêmia (Checoslováquia), e mais tarde também na Hungria. Na Boêmia, o movimento reformado associou-se aos Irmãos Boêmios, os sucessores do antigo movimento liderado pelo pré-reformador João Hus, morto em 1415. Na Polônia e na Lituânia, as igrejas calvinistas experimentaram grande crescimento, mas eventualmente foram suprimidas pela Contra-Reforma. A fé reformada foi introduzida na Hungria em 1549, através de contatos com Zurique, mas as igrejas sofreram perseguições de 1677 a 1781. A igreja reformada húngara viria a ser uma das maiores do mundo.
III. Ilhas Britânicas
Especialmente importante para a fé reformada foi a sua introdução nas Ilhas Britânicas. Nessa região é que surgiu o outro nome histórico associado ao movimento: “presbiterianismo.” Esse nome tinha ao mesmo tempo conotações teológicas e políticas. Os reis ingleses e escoceses eram firmes partidários do episcopalismo, ou seja, de uma igreja governada por bispos. Como esses bispos eram nomeados pela coroa, esse sistema favorecia o controle da igreja pelo estado. Assim sendo, a insistência dos reformados da Escócia e Inglaterra em uma igreja governada por presbíteros, eleitos pelas congregações e reunidos em concílios, era uma reivindicação de independência da igreja em relação ao poder público. Tal foi a origem histórica do termo “presbiteriano” ou “igreja presbiteriana.”
O protestantismo reformado foi levado para a Escócia por George Wishart, que estudara na Suíça e foi morto na fogueira em 1546. As primeiras igrejas reformadas surgiram no final da década seguinte. Os eventos se precipitaram com o retorno do líder John Knox (c. 1514-1572), que passou alguns anos em Genebra como refugiado, estudou aos pés de Calvino e retornou ao seu país em 1559. No ano seguinte, o Parlamento aboliu o catolicismo e adotou a fé reformada (Confissão Escocesa). Em dezembro de 1560, reuniu-se a primeira assembléia geral da Igreja Presbiteriana escocesa, que elaborou o Livro de Disciplina. Todavia, o Parlamento não aceitou esse primeiro Livro de Disciplina – que prescrevia a forma presbiteriana de governo –, mas manteve o episcopado como instrumento de controle estatal da igreja.
Ironicamente, entre 1561 e 1567 a Escócia formalmente presbiteriana foi governada por uma rainha católica, Maria Stuart. Após a morte de Knox, Andrew Melville (1545-1622), outro ex-exilado em Genebra, tornou-se o principal defensor do sistema presbiteriano e de uma igreja autônoma do estado. Os próximos quatro reis, especialmente Carlos II (1660-85), procuraram impor o anglicanismo e perseguiram os presbiterianos. Estes fizeram um pacto nacional para defender a sua fé e ficaram conhecidos como “covenanters” (pactuantes). Somente em 1689 o presbiterianismo foi estabelecido definitivamente, embora algumas modificações feitas pelo Parlamento, como a Lei do Patrocínio Leigo (1717), tenham produzido várias divisões na igreja.
Na Inglaterra, surgiram fortes influências reformadas desde o reinado de Eduardo VI (1547-1553). Martin Butzer, o reformador de Estrasburgo, passou seus últimos anos naquele país. Calvino correspondeu-se com o rei Eduardo, com Somerset, o lorde protetor, e com Thomas Cranmer, o arcebispo de Cantuária. O Livro de Oração Comum e os Trinta e Nove Artigos revelam clara influência reformada. Durante o reinado intolerante de Maria Tudor (1553-1558), alcunhada “a sanguinária”, muitos protestantes ingleses refugiaram-se em Zurique e Genebra. Porém, a rainha Elizabete I (1558-1603) não apreciava os aspectos populares da forma presbiteriana de governo, preferindo uma estrutura episcopal que deixava o controle último da igreja nas mãos das autoridades civis.
No reinado de Elizabete surgiram os puritanos, alguns dos quais sustentavam princípios presbiterianos. Em outras palavras, os puritanos eram todos calvinistas, mas nem todos aceitavam a forma de governo presbiteriana. O nome “puritanos” resultou da insistência desses reformados em que a Igreja da Inglaterra fosse pura, ou seja, seguisse os moldes bíblicos em sua doutrina, culto e governo. Por causa de sua firme oposição ao episcopalismo e a sua luta pela reforma da igreja estatal inglesa, os puritanos foram objeto de forte repressão por parte de Elizabete. Seus sucessores, Tiago I (1603-1625) e Carlos I (1625-1649), que governaram simultaneamente a Inglaterra e a Escócia, continuaram a opor-se aos puritanos.
No reinado de Carlos ocorreu um evento marcante na história do presbiterianismo. Esse rei tentou impor o episcopalismo na Igreja da Escócia e acabou envolvido em uma guerra contra os seus próprios súditos. Vendo-se em dificuldades, precisou convocar a eleição de um parlamento na Inglaterra, eleição essa que resultou em uma maioria parlamentar puritana. Dissolvido o parlamento, foi feita nova eleição, que tornou a maioria puritana ainda mais expressiva. A conseqüência foi a guerra civil, que terminaria com a execução do rei. Esse parlamento puritano convocou a célebre Assembléia de Westminster (1643-1648), que produziu os “padrões presbiterianos” de culto, governo e doutrina. Quando esses documentos foram aprovados pelo parlamento, a Igreja da Inglaterra deixou de ser episcopal e tornou-se presbiteriana. Porém, depois que Carlos II tornou-se rei em 1660, houve a restauração do episcopado e seguiram-se vários anos de repressão contra os presbiterianos. Com o tempo, os padrões de Westminster tornaram-se os principais documentos teológicos adotados pelas igrejas reformadas em todo o mundo.
A tradição reformada teve início na Irlanda com a Colônia de Ulster, a partir de 1606. No esforço de “domesticar” os irlandeses, o governo inglês implantou comunidades inglesas e escocesas nas regiões devastadas pela guerra ao norte da ilha. Aos imigrantes escoceses, que levaram consigo o seu presbiterianismo, uniram-se puritanos ingleses e huguenotes franceses. Houve uma rígida separação étnica entre os novos moradores e os irlandeses católicos do sul, e grande violência destes contra os presbiterianos. Graças aos capelães de um exército pacificador, um presbitério foi fundado no Ulster em 1642 e em 1660 eles já eram cinco. Os colonos alcançaram prosperidade na nova terra, mas também se viram sujeitos a restrições políticas, econômicas e religiosas impostas pelo governo inglês, além de calamidades naturais como estiagens prolongadas. Com isso, a partir de 1715, os “escoceses-irlandeses” começaram a sua grande migração para os Estados Unidos. Até 1775, pelo menos 250 mil iriam cruzar o Atlântico.
IV. Estados Unidos
O calvinismo chegou à América do Norte com os puritanos ingleses que se radicaram em Massachusetts no início do século XVII. O primeiro grupo fixou-se em Plymouth em 1620 e o segundo fundou as cidades de Salem e Boston em 1630. Nas décadas seguintes, mais de 20 mil puritanos cruzaram o Atlântico em busca de liberdade religiosa e novas oportunidades. Todavia, esses calvinistas optaram pelo forma de governo congregacional, não pelo sistema presbiteriano.
Muitos calvinistas que aceitavam a forma de governo presbiteriana vieram do continente europeu. Dentre os primeiros estavam os holandeses que fundaram Nova Amsterdã (depois Nova York) em 1623. Os huguenotes franceses também foram em grande número para a América do Norte, fugindo da perseguição religiosa em sua pátria. Um numeroso contingente de reformados alemães igualmente emigrou para os Estados Unidos entre 1700 e 1770. Esses imigrantes formaram as suas próprias denominações e mais tarde muitos deles ingressaram na Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos.
Muitos presbiterianos escoceses foram diretamente da Escócia para os Estados Unidos nos primeiros tempos da colonização. Todavia, foram os escoceses-irlandeses os principais responsáveis pela introdução do presbiterianismo naquele país. Durante o século XVIII, pelo menos 300 mil cruzaram o Atlântico. Eles se radicaram principalmente em Nova Jersey, Pensilvânia, Maryland, Virgínia e nas Carolinas. No oeste da Pensilvânia, eles fundaram Pittsburgh, por muito tempo a cidade mais presbiteriana dos Estados Unidos. O Rev. Ashbel Green Simonton, o introdutor do presbiterianismo no Brasil, era descendente desses escoceses-irlandeses da Pensilvânia.
No século XVII as comunidades presbiterianas dos Estados Unidos viviam dispersas. Foi só no início do século seguinte que elas começaram a unir-se em concílios. Nesse esforço, destacou-se o Rev. Francis Makemie (1658-1708), considerado o “pai do presbiterianismo americano.” Ordenado na Irlanda do Norte em 1683, ele foi logo em seguida para a América do Norte. Makemie fundou diversas igrejas em Maryland e viajou extensamente encorajando os presbiterianos. Como a Igreja Anglicana era a igreja oficial de várias colônias, ele sofreu muitas perseguições. Chegou mesmo a ser preso em Nova York em 1706.
Sob a liderança de Makemie, foi organizado em 1706 o Presbitério de Filadélfia. Em 1717, organizou-se o Sínodo de Filadélfia, composto de quatro presbitérios. Ao todo, a denominação tinha apenas dezenove pastores, quarenta igrejas e cerca de três mil membros. Em 1729, foi aprovado o “Ato de Adoção,” que aceitou a Confissão de Fé e os Catecismos de Westminster como padrões doutrinários do Sínodo. De 1741 a 1758, os presbiterianos dividiram-se em dois grupos por causa de diferenças acerca do avivamento e da educação teológica: Ala Velha (Sínodo de Filadélfia) e Ala Nova (Sínodo de Nova York).
Nesse período de divisão, vários evangelistas notáveis como Samuel Davies, Alexander Craighead e Hugh McAden trabalharam com grande êxito no sul do país, especialmente na Virgínia e nas Carolinas. Durante a Revolução Americana, os presbiterianos tiveram uma atuação destacada. O Rev. John Witherspoon (1723-1794), um escocês que foi presidente da Universidade de Princeton por vinte e cinco anos, foi o único pastor que assinou a Declaração de Independência dos Estados Unidos, em 1776. Muitos presbiterianos lutaram na guerra da independência.
Em 1788, o Sínodo de Nova York e Filadélfia dividiu-se em quatro (Nova York e Nova Jersey, Filadélfia, Virgínia e Carolinas). No dia 21 de maio de 1789, reuniu-se pela primeira vez a “Assembléia Geral da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da América.” Naquela época, a Igreja Presbiteriana era a denominação mais influente do país. Em 1800, contava com 180 pastores, 450 igrejas e cerca de 20 mil membros.
Em 1801, presbiterianos e congregacionais iniciaram um trabalho cooperativo conhecido como “Plano de União.” O objetivo era evangelizar com mais eficiência a população que estava indo para o oeste, a chamada “fronteira.” Foi esse o período do avivamento conhecido como Segundo Grande Despertamento. O resultado foi um avanço fenomenal. Em 1837, a Igreja Presbiteriana já contava com 2140 pastores, quase 3000 igrejas e 220 mil membros. O Seminário de Princeton foi fundado em 1812. Entre seus grandes professores estiveram Archibald Alexander, Charles Hodge, A.A. Hodge e Benjamin B. Warfield.
Devido a uma controvérsia sobre os requisitos para a ordenação de ministros, surgiu em 1810 a Igreja Presbiteriana de Cumberland, no Tennessee. Uma divisão mais séria ocorreu entre os grupos conhecidos como Velha Escola e Nova Escola, aquele sendo mais apegado aos padrões de Westminster do que este. Em 1837, a Velha Escola obteve a maioria na Assembléia Geral, cancelou o Plano de União de 1801 e excluiu quatro sínodos inteiros, dividindo ao meio a denominação. No mesmo ano, foi criada a Junta de Missões Estrangeiras, sediada em Nova York, que 22 anos mais tarde enviaria o seu primeiro missionário ao Brasil.
Finalmente, em 1857 e 1861 ocorreram novas divisões, desta vez ocasionadas pelo problema da escravidão. As igrejas Nova Escola e Velha Escola do sul, favoráveis à escravidão, separaram-se das do norte. Eventualmente, foram criadas duas grandes denominações presbiterianas, a Igreja do Norte (PCUSA) e a Igreja do Sul (PCUS). Os missionários pioneiros dessas duas igrejas chegaram ao Brasil respectivamente em 1859 (Ashbel G. Simonton) e 1869 (Edward Lane e George N. Morton).
Rev. Alderi Souza de Matos
Historiador da IPB.