sexta-feira, 30 de setembro de 2011

CALVINISMO DO SECULO XXI


Calvinismo Tradicional X Novo Calvinismo


Após a reportagem de Time Magazine listando o novo calvinismo como uma das dez ideias que estão mudando o mundo, um dos autores citados, o pastor Mark Driscoll, colocou em seu site algumas comparações entre o novo calvinismo e o velho calvinismo. Esse é o momento de avaliarmos essas comparações. Abaixo reproduzimos o que Driscoll propôs, e como pode ser visto em seu site. (Driscoll, 2009a).

1) O velho calvinismo foi fundamentalista ou liberal, separatista ou sincretizado com a cultura. O novo calvinismo é missional e busca criar uma cultura redimida.

2) O velho calvinismo fugiu das cidades, o novo calvinismo está inundando as cidades.

3) O velho calvinismo foi cessacionista e temeroso da presença e poder do Espírito Santo, o novo calvinismo é continuacionista e alegre pela presença e poder do Espírito.

4) O velho calvinismo foi temeroso e suspeitoso a respeito de outros cristãos e quebrava pontes, já o novo calvinismo ama a todos os cristãos e constrói pontes entre eles.

Em minha avaliação, as declarações de Driscoll foram um tanto quanto precipitadas. É claro que Driscoll está mirando um estilo particular de calvinismo que perdurou nos Estados Unidos por algum tempo (e creio que também no Brasil), mas ele generalizou demais a avaliação e, certamente falhou em sua análise do movimento calvinista como um todo.

Por outro lado, eu posso concordar com aquilo que Driscoll busca como meta do novo calvinismo, entretanto, acredito que em seus “melhores momentos” o calvinismo foi exatamente isso.

O calvinismo é uma teologia completa por causa de sua cosmovisão. Desde o início, o calvinismo foi visto como um movimento de alcance global e para influenciar todas as esferas da vida. A combinação de piedade, erudição e engajamento político e social foram marcas preponderantes do movimento. O calvinismo despontou e se desenvolveu com o potencial de ser um sistema completo. A partir da análise do conceito de cultura e da ação calvinista em relação à cultura é preciso afirmar que o novo calvinismo provavelmente ainda não alcançou o grau de maturidade cultural que o calvinismo teve em seus melhores momentos. O novo calvinismo ainda é mais uma retomada das doutrinas calvinistas antigas com uma apresentação mais atualizada e um foco em espiritualidade e decisão de vida, do que uma continuação do calvinismo em seu sentido mais amplo, como apresentado no Kuyperianismo, por exemplo. Por isso, a declaração de Driscoll pode estar invertida. É o novo calvinismo que ainda não consegue se relacionar verdadeiramente com a cultura, ao contrário do que fazia o calvinismo tradicional, buscando a potencialização da cultura ou mesmo sua transformação para a glória de Deus. Mas é evidente que o novo calvinismo tem tudo para estabelecer um verdadeiro relacionamento transformador da cultura.

Do mesmo modo, não há qualquer evidência histórica de que o calvinismo tenha “fugido” das cidades ou não tenha se preocupado com missões. O calvinismo, desde o início, demonstrou forte preocupação missionária. Driscoll provalvelmente disse isso porque por bastante tempo, os lugares nos Estados Unidos aonde o calvinismo se manteve e se perpetuou foi o interior, em pequenas cidades como Grand Rapids – MI, por exemplo. Mas isso não significa que tenha sido uma opção do calvinismo americano se manter confinado ao interior, antes, provavelmente isso tenha acontecido justamente por causa da dificuldade que foi no auge do liberalismo e do evangelicalismo arminiano, o calvinismo conseguir adeptos nas grandes cidades.

Com relação à disputa sobre a contemporaneidade ou cessacionismo dos dons espirituais, é preciso lembrar que a preocupação de Driscoll é a de correlacionar o calvinismo com os acontecimentos do século 20, ou seja, com o surgimento do movimento pentecostal.Não faz parte do escopo desse post uma análise do movimento pentecostal, é suficiente para nós o entendimento de que entre os evangélicos há uma divisão bastante clara no que diz respeito a atuação do Espírito concedendo dons. Alguns interpretam que os dons do Espírito concedidos a partir do Pentecostes cessaram com a morte dos Apóstolos. Outros entendem que esses dons ainda estão em atividade. Driscoll está dizendo que o velho calvinismo foi cessacionista, enquanto que o novo calvinismo é continuacionista. Essa afirmação, novamente, não muito é exata.

É um fato que muitos autores calvinistas são enfaticamente cessacionistas, como o dispensacionalista John MacArthur Jr, as vezes chamado de “novo calvinista”. Por outro lado, há calvinistas históricos que não insistem no cessacionismo, como Stott, Packer e o famoso Lloyd-Jones. Deve ser lembrado que a questão chave para a maioria dos calvinistas históricos não é se os dons espirituais ainda estão em atividade, mas se o Batismo com o Espírito Santo é uma “segunda bênção” como quer o Pentecostalismo. Assim, insistindo que o Batismo com o Espírito Santo acontece no momento da conversão, boa parte dos calvinistas não sente necessidade de enfatizar um cessar absoluto dos dons espirituais. A posição calvinista mais comum é que parte dos dons cessou, enquanto outros continuam em atividade. O próprio Calvino posiciona-se firmemente a favor da continuidade dos dons espirituais, entretanto, não de todos. Sobre o dom de profecia, por exemplo, Calvino entendia que ele não está mais em atividade no sentido de “predizer o futuro”, mas continua em atividade no sentido de explicar a Palavra de Deus. Calvino diz: “Na igreja Cristã, nos tempos atuais, profecia é simplesmente o correto entendimento da Escritura e o dom particular de explicá-la, visto que todas as antigas profecias e todos os oráculos divinos já foram concluídos em Cristo e seu Evangelho”. (1997, Rm 12.6, p. 431). Entretanto, Calvino fala de outros dons como sendo “dons ordinários que permanecem perpetuamente na igreja”. (1997, Rm 12.6, p. 424). Do mesmo modo, Calvino entendia que alguns ofícios exercidos na igreja primitiva tinham sido temporários, enquanto outros permaneciam. Ele escreveu:

Deve-se observar também que, dos ofícios que Paulo enumera, somente os dois últimos são de caráter perpétuo. Porquanto Deus adornou sua igreja com apóstolos, evangelistas e profetas só por algum tempo, exceto que, onde a religião se encontra sucumbida, ele suscita evangelistas à parte da ordem da igreja [extra ordinem] para restaurar a pureza da doutrina àquela posição que perdera. Sem pastores e doutores, porém, não pode haver nenhum governo da igreja. (1998, Ef 4.11, p. 123).

Portanto, a acusação de que o velho calvinismo foi temeroso do poder do Espírito Santo é uma asseveração generalizada demais. Certamente houve calvinistas que, por medo de uma identificação com o movimento Pentecostal, refrearam as supostas manifestações espirituais, e outros que em busca de uma identificação com a ciência fizeram uso de um racionalismo agudo, mas generalizar isso não faz justiça a tantos calvinistas do passado que enfatizaram o papel e o poder do Espírito na conversão, na santificação, na compreensão das Escrituras, como os puritanos, e o próprio Calvino. A luta dos calvinistas, entretanto, foi a de manter distância do movimento Pentecostal e Neo-Pentecostal com suas ênfases consideradas anti-bíblicas pelos calvinistas. Não se trata de negar o poder ou a atuação do Espírito e nem mesmo a continuidade dos dons, mas de rejeitar aquelas ênfases exageradas que não fazem parte do Cristianismo histórico, como por exemplo, a questão das novas revelações espirituais propostas pelos carismáticos. Nesse ponto, o calvinismo seguindo Calvino tende a ensinar que “novas revelações” são invenções que provêm de espíritos mentirosos e não do Espírito Santo. (1999, I, 9, 2). Nesse ponto, se Driscoll prefere uma aproximação com esses movimentos pode parecer ser o caso de seu discurso, ele está se afastando decisivamente do calvinismo. Por outro lado, se Driscoll pretende um estudo sério da pessoa do Espírito Santo, seguido de uma prática que enfatiza sua obra de acordo com a Escritura, sem racionalismo, ele não precisaria de um “novo” calvinismo diferente, pois bastaria se manter nas pegadas de Calvino.

Com relação à perspectiva ecumênica, novamente precisamos lembrar que Calvino tinha uma grande preocupação com a unidade da igreja. Novamente é forçoso concluir que a asseveração de Driscoll de que o velho calvinismo foi temeroso e suspeitoso a respeito de outros cristãos e quebrava pontes está muito longe das opiniões e ensinos de Calvino. Entretanto, muitos calvinistas de fato parecem ignorar as opiniões do Reformador de Genebra. Novamente é preciso dizer que a abertura proposta pelo novo calvinismo para outras igrejas e correntes teológicas é bem-vinda, mas para fazer isso não é preciso um rompimento com o calvinismo tradicional, antes, uma leitura atualizada dos próprios ensinos de Calvino.

Pela força dos argumentos é preciso concluir que Driscoll não foi muito exato em suas comparações entre o novo calvinismo e o velho calvinismo. Praticamente todas as coisas que ele pretende atribuir de positivo ao novo calvinismo foram mais facilmente identificadas no próprio calvinismo em seus melhores momentos e, especialmente, na teologia de seu fundador, o Reformador João Calvino. Portanto, o novo calvinismo pode buscar essas coisas desejáveis na própria essência do calvinismo histórico, desenvolvê-las e aplicá-las para os dias atuais.

Por Leandro Antonio de Lima Novo Calvinismo